O caminho da fortuna. Ou como conseguir que até o seu maior ídolo peça para trabalhar com você.

O caminho ordinário quase matou Scott Steindorff. Ele queria ser um artista, mas ganhava muito dinheiro com incorporação imobiliária. Ele sonhava em fazer um filme com Paul Newman. Naquela época Paul Newman representava o que Daniel Day-Lewis representa hoje. Ele estava disposto a mover mundos e fundos para algum dia conseguir simplesmente falar com Newman. Scott precisou passar por duas crises devastadoras para finalmente trocar a indústria imobiliária, pela criação e produção cinematográfica. Ele contrariou o caminho que a maior parte dos roteiristas e produtores faz para prosperar em Hollywood. Ele se dedicou a trazer para o cinema e para a televisão obras de qualidade. E prestígio. Então a nata dos atores começou a disputar os papéis em seus filmes. Num dia qualquer e sem prévio aviso, o telefone de Scott toca: era Paul Newman lhe pedindo para participar da minissérie “Empire Falls”.

Multimilionário aos 21 anos. Quase morto aos 21 anos. 

Na adolescência, Scott Steindorff era um prodígio como esquiador. Volta e meia faturava títulos no esqui alpino. Além disso, estudava teatro, com o objetivo de se tornar um ator profissional. Começou a fazer uns comerciais de televisão, na qual aparecia esquiando. Ele queria fazer a vida como artista em Hollywood. Acima de tudo, seu sonho maior era um dia trabalhar com Paul Newman.

Na hora de ir para a faculdade, no entanto, foi convencido por seu pai de que devia cursar uma Escola de Negócios. “Arte não sustenta ninguém”, foi o que seu velho lhe disse.

Começou então a cursar paralelamente tanto a faculdade de Teatro, quanto a de Administração de Empresas.

Aos 21 anos Scott Steindorff trabalhava com seu pai, como um corretor e incorporador imobiliário. Ele fazia dinheiro como poucos em sua idade jamais fizeram, então abandonou ambas as faculdades.

Uma tarde Scott telefonou para seus pais dizendo que dali a algumas horas iria se internar em uma clínica de reabilitação de viciados em drogas, em Santa Bárbara – Califórnia. Eles não sabiam, mas ele era viciado em cocaína. Algumas semanas antes ele havia tido uma overdose. Ele estava sozinho em seu escritório. Não havia ninguém para lhe socorrer. Sua garganta ficou quase completamente bloqueada. Ele não conseguia respirar, sua epiglote bloqueava a passagem de ar pela traquéia.

Por sorte ele sobreviveu para contar aquela história para seus pais.

E muitos anos depois para contar para milhões de telespectadores algumas das melhores histórias que foram contadas na televisão e no cinema. Voltarei a este assunto mais adiante.

Depois de alguns dias de internamento, Scott passou vinte e quatro horas chorando compulsivamente em seu quarto.

Depois disso, nunca mais usou álcool ou cocaína, nem nenhum outro tipo de entorpecente.

Da sobriedade aos multimilhões novamente. O que vem depois de anos sem se dedicar ao que você realmente quer fazer?  

Ao sair de lá, decidiu que desenvolveria uma carreira solo, afastado da influência de seu pai. Eles permaneceram dois anos sem se falar depois disso.

Scott continuou como um empreendedor no ramo imobiliário. Começou a planejar e desenvolver bairros inteiros e a construir shopping centers em Scottsdale e Phoenix, no estado do Arizona.

Em seu primeiro ano sóbrio ele fez milhões de dólares. Com 24 anos Scott era um multimilionário.

Alguns anos depois, tudo parecia ir bem. A esposa de Scott era adorável. Eles tinham dois filhos pequenos, que enxiam a casa de alegria. Eram sócios de shopping centers e proprietários de dezenas de imóveis.

Então veio a quebra do mercado imobiliário estadunidense. Scott perdeu grande parte de seu patrimônio. Todos os seus ativos estavam alocados em empreendimentos imobiliários. Toda a sua renda dependia do mercado imobiliário. A sua auto-estima também estava completamente vinculada ao seu patrimônio. Scott se sentia devastado.

Era hora de mudar. Somente quando chegou ao fundo do poço, Scott tomou coragem de mudar.

Hollywood e a busca de autenticidade

“A depressão é o resultado da ausência de auto-expressão”, ele viria a declarar para James Altucher alguns anos depois.

Com sua esposa e dois filhos pequenos rumou em direção ao sol, ao seu sol: Malibu – Califórnia.

Ao que parece, no entanto, em nenhum momento Hollywood abriu a imponente porta branca laqueada e de alças douradas da sala principal e anunciou “Graças a Deus você chegou, Scott Steindorff! Venha trabalhar conosco como um roteirista e ganhar milhões de dólares!”

Scott passou a escrever roteiros de televisão e cinema. Passava os dias escrevendo e prospectando clientes para seus roteiros. Ele devia uma parte do seu sucesso como desenvolvedor imobiliário à sua habilidade para persuadir investidores a acreditarem em seus projetos. Ele colocava novamente essa habilidade à prova. Fazia cem ligações por dia para diretores, agentes, atores, diretores de estúdios. E jogava tênis. E cuidava de seus filhos. E fazia bicos como consultor de incorporadoras imobiliárias. E vendia projetos para academias de musculação ampliarem sua clientela.

Ele passou uns 5 ou 6 anos nessa luta: batendo escanteio e correndo para cabecear.

Até que conseguiu vender a opção do roteiro para filme que havia escrito com base no livro “Night Magic”, de Tom Tryon.

Na trama dessa história, o protagonista vive um dilema entre ter poder e dinheiro ou viver um grande amor.

A produtora adquirente não exerceu a opção no prazo, então Scott ficou livre para vendê-la novamente. E ele assim o fez. A sorte estava com ele: diversas produtoras pagaram pela opção, mas não exerceram o direito de comprar os direitos definitivos do roteiro. Dessa maneira ele pôde vender a opção sucessivas vezes Pela primeira vez ele fez uma bolada com seu trabalho artístico.

Bem nessa época, Scott e sua esposa sentaram para conversar e levantaram da mesa com uma decisão consensual: apesar de naquela altura já terem 3 filhos, seria melhor eles se separarem.

Uma suíte no Caesar Palace ao lado de um templo Budista 

Scott pegou umas mudas de roupa, sua raquete de tênis, se despediu das crianças e saiu a dirigir sem destino definido.

Ainda estava em Malibu quando seu tijolão cinza da Motorola tocou.

“O que você está fazendo agora, Scott?”

“Cara, acabei de me separar. Pra te falar a verdade, estou dirigindo a esmo pela cidade.”

“Nós compramos o Caesar Palace em Las Vegas. E pra te falar a verdade, não sabemos bem o que devemos fazer! (risos) Você não quer vir conosco até Vegas?”, foi o que um amigo seu, executivo do grupo Starwood, lhe disse naquela tarde de céu azul. E de nuvens espessas e cinzas dentro da cabeça de Scott.

Do alto de sua suíte no Caesar Palace, Scott observava o horizonte e refletia sobre o quão feliz estava. Em Vegas ele finalmente veio a exercer plenamente seu potencial artístico. Escrevia roteiros de shows, revisava roteiros para alguns dos principais espetáculos. Era ele quem os executivos de algumas das maiores produções consultavam quando precisam consertar um espetáculo. Scott havia se tornado um roteirista e produtor respeitado.

E meditava todos os dias com monges budistas.

Você pode pensar que isso é uma miragem: mas haviam construído um templo budista autêntico bem na quadra onde Scott residia.

Bye-bye suíte master

Inesperadamente, porém, o grupo Starwood Hotéis veio a vender o Caesar Palace Las Vegas. Ao mesmo tempo, nenhum novo trabalho remunerado foi oferecido a Scott. Sem aviso prévio, estava desempregado e desalojado.

Bye-bye suíte master com vista para o horizonte.

Ele recolheu seu laptop, sua raquete de tênis e os despejou no banco traseiro de seu Chevrolet Cavalier vermelho desbotado, com 15 anos de uso.

“Vou para Malibu passar um tempo com as crianças. Lá será melhor para eu decidir qual o meu próximo passo.”

A alguns quilômetros de Vegas situa-se uma colina íngreme, que desafia a paisagem do deserto (e os motores dos veículos que por ali trafegam).

Na metade da subida, o velho Cavalier pediu arreglo. Scott, fez meia-volta, retornou ao trecho plano da pista de rodagem. Pegou o maior embalo possível.

Puf. Não conseguiu subir mais do que 2/3 da ladeira.

Fez isso mais 5 vezes. Desistiu.

Voltou para o Caesar Palace. Como um hóspede qualquer, teve que pagar a diária.

O maior show do mundo

Na manhã seguinte Scott atende uma ligação telefônica. É um diretor da Metro-Goldwyn-Mayer, que havia investido 65 milhões de dólares no maior show do mundo, apresentado no MGM Grand Las Vegas: “EFX Show”. Apesar do orçamento exuberante, o show era um fiasco completo. Eles, então, haviam suspendido as apresentações e contratado Tommy Tune, um dos maiores nomes dos musicais da Broadway, para estrelar o espetáculo. Tune havia chegado naquela manhã a Vegas. Ele escolheria quem seria o novo roteirista. Scott seria o primeiro a ser entrevistado.

Ele havia passado o final de semana anterior lendo um livro que ganhara de sua ex-esposa, “As a Man Thinketh”, um ensaio de James Allen sobre o que seria o sentido da vida.

Tommy pergunta a Scott como ele acha que o show deveria ser.

“O show deveria narrar uma jornada espiritual do garoto protagonista. Ele sendo H.G. Wells, ele sendo Houdini e assim por diante. Ele vivendo essa experiência a partir de uma perspectiva de crescimento espiritual, de desenvolvimento como ser humano. Nós precisamos criar uma conexão afetiva, emocional, com o público.”

Passados trinta minutos de entrevista com Scott, um dos executivos da MGM adentra a sala:

“Tommy, só para lhe lembrar, há 16 roteiristas de Hollywood e da Broadway aguardando ali fora para falar com você.”

Mais meia-hora. O executivo da MGM interrompe novamente. Tommy Tune lhe responde:

“Eu já decidi. Nós vamos contratar Scott para reescrever esse show.”

Nos sete anos seguintes o show “EFX” foi um tremendo sucesso.

Algum tempo depois de “EFX Show” se consolidar, Scott trocou Vegas por Los Angeles novamente.

Transformando prêmios Nobéis em filmes consagrados

Scott  estava em uma busca feroz para adquirir os direitos de filmagem do livro “The human Stain”, de Philip Roth, um dos autores estadunidenses indicados mais vezes ao Prêmio Nobel de Literatura.

Num final de tarde qualquer, seu agente lhe passou uma ligação telefônica. Philip Roth queria lhe falar.

Ele não quis saber qual era a idéia geral de Scott para converter o livro em um filme. Basicamente lhe fez perguntas sobre como era a vida e como eram os bastidores em Las Vegas. E sem muita negociação fechou a venda dos direitos de conversão de “The human stain” para obra cinematográfica.

Houve uma disputa ferrenha entre o primeiro time de Hollywood para estrelar os papéis naquele filme.

No final das contas, Anthony Hopkins, Nicole Kidman e Ed Harris foram os escolhidos.

Paralelamente, Scott veio a escrever e produzir “Las Vegas”, consagrada série de TV estrelada por James Caan, Josh Duhamel e Tom Selleck.

Nada mal para quem algum tempo antes estava deprimido, dirigindo sem eira nem beira, pensando que talvez tivesse que voltar a trabalhar como desenvolvedor imobiliário.

Em 2004 Scott conseguiu viabilizar a produção de uma minisérie baseada no romance “Empire Falls”, de Richard Russo.

A notícia do início do processo de casting para aquela produção gerou um burburinho entre a nata dos atores e atrizes americanos.

“Alô, boa noite, eu gostaria de falar com o Scott, por gentileza.”

“Pois não, eu sou o Scott.”

Oi Scott, aqui é o Paul Newman. Eu gostaria de conversar contigo sobre a adaptação de “Empire Falls”.

Scott levou algum tempo para acreditar que do outro lado da linha estava realmente Paul Newman. E que Paul Newman, com toda a elegância e carisma que lhe eram característicos, estava pleiteando uma vaga na minissérie que ele produziria.

 

“Empire Falls” viria a ser estrelada por Ed Harris, Helen Hunt, Phillip Seymor Hoffman, Joanne Woodward e Paul Newman.

Ganhou o Globo de Ouro de melhor minissérie e de melhor ator coadjuvante. Para Paul Newman.

Em recente entrevista, James Altucher perguntou para Scott Steindorff:

“Como você conseguiu reunir um elenco tão estelar para uma minissérie?!”

“Paul Newman convidou os demais atores. Ninguém diz ‘não’ para Paul Newman.” (risos)

Ao longo dos anos Scott estava batalhando para adquirir os direitos de filmagem de “O Amor em Tempos de Cólera”, de Gabriel Garcia-Marquez.

Ao longo dos anos ele havia telefonado para Garcia-Marquez diversas vezes.

Ao longo dos anos Garcia-Marquez havia desligado o telefone na cara de Scott diversas vezes.

Desta vez, porém, parecia que a conversa teria um final diferente.

Garcia-Marquez foi gentil com Scott. Eles conversaram por mais tempo. A conversa terminou com uma sonora gargalhada do genial autor colombiano.

Ao ouvir de Scott o que havia se passado, um amigo lhe disse:

“Meu velho, esqueça. Ele já recusou uma proposta feita em conjunto por Marlon Brando e Sean Penn para filmarem esse livro.”

Apesar dessa notícia, Scott ainda acreditava que poderia convencer o mais consagrado autor do realismo mágico a fechar negócio com ele. Ele era apaixonado pelo livro, ele se via como o personagem Florentino. “Eu sou Florentino!”, ele havia dito a Marquez mais de uma vez.

No final das contas, Gabriel Garcia-Marquez preferiu fazer o filme com Scott.

O garoto nascido no interior de Minessota conseguiu o que nem Marlon Brandon, nem Sean Penn haviam conseguido: conquistar o coração do autor de “Amor em Tempos de Cólera”.

Scott tem sido responsável por levar às telas de cinema e televisão as adaptações de algumas das mais brilhantes histórias da literatura e por produzir projetos autorais, como o do filme “Chef”, sucesso de público, com Jon Favreau, Dustin Hoffman, Scarlett Johansson, Robert Downey Jr. e Sofia Vergara.

Qual é o seu caminho da fortuna?

Há 35 anos Scott se mantém sóbrio: não consome cocaína, nem constrói shopping centers. Todos os dias, durante três horas, faz exercícios, medita, escreve seu diário, reflete sobre os pontos onde pode se aperfeiçoar. Ele se sente mais feliz do que nunca. Ele se sente assim há muitos anos. E mesmo assim continuando dando o máximo para ser cada vez melhor. Scott acredita que a felicidade depende de um trabalho contínuo.

No que dependesse do que seu pai e a sociedade esperavam dele, Scott Steindorff continuaria pelo caminho mais confiável e lucrativo da incorporação imobiliária.

Talvez hoje ele estivesse bilionário. Bilionário e feliz? Bilionário e deprimido?

Pensando bem, será que Scott ainda estaria vivo?

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